A série britânica da HBOMax produzida e protagonizada pela maravilhosa Michaela Coel (Chewing Gum) fez uma estreia tímida sem chamar muita atenção para si mesmo com seu conteúdo dramático, humor ácido, roteiro e textos brilhantes. Acontece que quando a temporada de premiações chegou, I May Destroy You arrebatou boa parte dos troféus, entre eles Emmy e Bafta tanto para melhor roteiro quanto para melhor atriz. Mas porque será que uma série que não fez tanto barulho na sua estreia ganhou tantos prêmios e merece ser exaltada nesse TBT? Bora descobrir?
Arabella
A série gira em torno de Arabella, uma escritora famosa que encontra-se em meio a um bloqueio criativo. Bella - Como é chamada pelos amigos - não é perfeita, pelo contrário. O roteiro nos apresenta uma pessoa real, falha e com comportamentos que normalmente julgamos antes de tentar entender o contexto social e cultural que aquela pessoa se encontra.
Certo dia, após uma noite de muitas drogas e bebedeiras, ela é dopada, agredida e estuprada, acordando no dia seguinte sem nenhuma lembrança do que possa ter acontecido e apenas com alguns poucos flashes de memória que se misturam com seus pensamentos dando uma agoniante sensação de incapacidade.
Na noite do seu estupro, Bella estava com vários amigos, e todos eles, de alguma forma, foram negligentes com a situação da escritora e, embora o roteiro nos leve a julgar essas pessoas, ele também faz questão de mostrar que através de sua ingenuidade e cultura machista enraizada, a única pessoa que Arabella culpa é a si mesma.
Falar ajuda!
Nos primeiros episódios, Arabella está em negação. E através do brilhantismo do roteiro, até quem está assistindo passa a negar que o estupro tenha acontecido pois ninguém quer imaginar uma pessoa passando por isso, é claro. Conforme os dias vão passando e Bella vai se abrindo a novas relações, começamos a perceber que ela sempre permitiu comportamentos abusivos para consigo sem perceber que o fazia. Isso nos põe a refletir sobre quantas vezes na vida permitimos que o mesmo acontecesse conosco.
A protagonista tem vários momentos de epifania após ser confrontada pela psicóloga que fala sobre o estupro com todas as letras, a partir daí, ela parte em busca do seu estuprador para poder se vingar. No caminho, Bella começa a agir de forma diferente com todos aqueles que já haviam abusado dela, sexual e emocionalmente.
Os amigos de Bella também sofrem algum tipo de abuso no decorrer da série. E o roteiro, mais uma vez de forma brilhante, nos mostra como alguns tipos de abusos e estupros podem não ser percebidos pela vítima e como pode ser difícil denunciar quando acontece com você. Principalmente e você for uma pessoa preta, mulher ou LGBTQIA+.
O roteiro não esconde as falhas dos personagens e até mostra de forma explicita suas ações para que o espectador propositalmente pense: "Se não estivesse lá, isso não teria acontecido", "Se não ficasse com qualquer um, isso não teria acontecido", "se não bebesse, isso não teria acontecido", só para depois esfregar na nossa cara que este é um pensamento errado e mesmo se você tivesse nu em cima do outro, isso não dá a essa pessoa o direito de avançar o sinal uma vez que você diz NÃO!
Não se engane com o título
Embora o título da série possa parecer agressivo e que você que assistirá algo do tipo Doce Vingança, I May Destroy You é muito mais focado na destruição do espirito do outro. Nos dois casos principais envolvendo Arabella, apenas um ela realmente consegue "destruir" ao expô-lo ao mundo e deixar que seu abusador seja cobrado pela própria consciência. O segundo caso fica em aberto dando ao espectador a chance de imaginar como a história foi resolvida, já que o capitulo final nada mais é que várias e várias formas diferentes que Arabella poderia ter lidado com a situação e você pode escolher em qual acreditar, é simplesmente sensacional!
A série levou o Emmy em 2021 de melhor roteiro para Minissérie mas foi indicado em vária categorias, inclusive de Melhor Atriz em Minissérie em que perdeu para Kate Winslet.
